CGJSP – RECURSO ADMINISTRATIVO: 1000092-98.2018.8.26.0302
LOCALIDADE: Jaú DATA DE JULGAMENTO: 19/08/2019 DATA DJ: 23/08/2019
RELATOR: Geraldo Francisco Pinheiro Franco
JURISPRUDÊNCIA: Procedente
LEI: LO – Novo Código Florestal – 12.651/12
LEI: LESP – – 15.684/2015
ESPECIALIDADES: Registro de Imóveis
REGISTRO DE IMÓVEIS. Recurso de apelação recebido como recurso administrativo. Intervenção de terceiros. Amicus curiae. Não cabimento, por se tratar de procedimento administrativo destinado à solução do dissenso entre o registrador e o interessado no ato de averbação. Procedimento de retificação administrativa de imóvel rural. Área que, à época, exigia a especialização da parcela do imóvel destinada à Reserva Legal em percentual inferior ao regramento trazido pelo novo Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012). Área atualmente degenerada. Eventual recomposição, regeneração natural ou compensação da Reserva Legal aos percentuais exigidos pela Lei. Necessidade de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Liminar em ADI que suspendeu a eficácia da Lei Estadual n. 15.684/2015, instituidora do referido programa, inviabilizando a aprovação da Reserva Legal em órgão estadual. Imóvel devidamente inscrito no CAR. Impossibilidade de cumprimento integral das exigências pelo interessado, em face da suspensão da lei que regulamentou o órgão ambiental. Recurso provido.
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Vide: – Recurso Administrativo 1000092-98.2018.8.26.0302
íntegra
PROCESSO Nº 1000092-98.2018.8.26.0302 – JAÚ – IZALTINA DO AMARAL CARNEIRO LYRA – INTERESSADO: ORGANIZAÇÃO DE PLANTADORES DE CANA DA REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL – ORPLANA. – ADVOGADOS: MARIO CARNEIRO LYRA, OAB/SP 145.105, FRANCISCO DE GODOY BUENO, OAB/SP 257.895, NINA CHAIM MELONI, OAB/SP 365.275 E JOSÉ HENRIQUE TURNER MARQUEZ, OAB/SP 156.400. – (429/2019-E) – DJE DE 23.8.2019.
REGISTRO DE IMÓVEIS. Recurso de apelação recebido como recurso administrativo. Intervenção de terceiros. Amicus curiae. Não cabimento, por se tratar de procedimento administrativo destinado à solução do dissenso entre o registrador e o interessado no ato de averbação. Procedimento de retificação administrativa de imóvel rural. Área que, à época, exigia a especialização da parcela do imóvel destinada à Reserva Legal em percentual inferior ao regramento trazido pelo novo Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012). Área atualmente degenerada. Eventual recomposição, regeneração natural ou compensação da Reserva Legal aos percentuais exigidos pela Lei. Necessidade de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Liminar em ADI que suspendeu a eficácia da Lei Estadual n. 15.684/2015, instituidora do referido programa, inviabilizando a aprovação da Reserva Legal em órgão estadual. Imóvel devidamente inscrito no CAR. Impossibilidade de cumprimento integral das exigências pelo interessado, em face da suspensão da lei que regulamentou o órgão ambiental. Recurso provido.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Cuida-se de apelação interposta por IZALTINA DO AMARAL CARNEIRO LYRA, contra a r. sentença de fl. 155/158, que manteve a recusa de averbação de retificação solicitada perante o 1º Oficial de Registo de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaú.
Sustenta a apelante estar dispensada da instituição e especificação da Reserva Legal no percentual exigido para a retificação do registro do imóvel, eis que, quando da promulgação do atual Código Florestal, já possuía área consolidada em percentual que ultrapassava o montante mínimo fixado a título de Reserva Legal, sustentando a aplicação do art. 68 do referido Código.
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 293/295).
Às fls. 298/314, a ORGANIZAÇÃO DE PLANTADORES DE CANA DA REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL – ORPLANA solicitou seu ingresso nos autos na qualidade de amicus curiae.
Por decisão de fl. 350/351, foi determinada a redistribuição destes autos à Eg. Corregedoria Geral da Justiça.
É o relatório.
Opino.
Preliminarmente, não se tratando de procedimento de dúvida, cujo cabimento é restrito aos atos de registro em sentido estrito, verifica-se que o recurso foi denominado erroneamente de apelação, uma vez que se busca ato materializado por averbação.
Todavia, tendo em vista a sua tempestividade, possível o conhecimento e processamento do apelo como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar nº 3/1969).
Ainda preliminarmente, sugiro a Vossa Excelência o indeferimento do pedido formulado pela ORGANIZAÇÃO DE PLANTADORES DE CANA DA REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL – ORPLANA, para ingresso nos autos na qualidade de amicus curiae.
O procedimento em exame tem natureza administrativa, não possui lide e não comporta as modalidades de intervenção de terceiro previstas no Código de Processo Civil.
Nessa linha, por ser aplicável aqui o mesmo entendimento quanto ao procedimento de dúvida, cabe lembrar os v. acórdãos prolatados pelo Col. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 510-0, da Comarca de Ribeirão Preto, de que foi relator o Desembargador BRUNO AFFONSO DE ANDRÉ, e na Apelação Cível n.º 000.964.6/0-00, da Comarca de São Paulo, de que foi relator o Desembargador RUY PEREIRA CAMILO, o último com a seguinte ementa:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA INVERSA. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. Não cabimento por ser a dúvida destinada à solução do dissenso entre o registrador e o interessado no registro do título. Intervenção indeferida. Admissibilidade, apenas, de apelação pelo terceiro interessado, do que não se trata no presente caso concreto”.
Portanto, deve ser indeferido o pedido de ingresso nos autos, na qualidade de amicus curiae.
Passando ao mérito, o recurso, de fato, deve ser provido.
Trata-se de pedido de retificação de registro do imóvel rural objeto da matrícula de n.º 38.404 (fl. 48/84), do 1º Oficio de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaú, devidamente georreferenciada, da área denominada Fazenda Santa Izabel.
A negativa de inscrição se deu porque os interessados reservaram somente 2,51 hectares como área de Reserva Legal, quando, por previsão do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), em seu art. 12, II, tal parcela deveria ser de 20% da área, o que traduziria 22,2 hectares. Além disso, não haveria a sua especialização no Cadastro Ambiental Rural – CAR.
Examinando detidamente os documentos juntados aos autos, constata-se que a Fazenda Santa Izabel se encontra devidamente inscrita no CAR, sob o n.º 35253000108735, desde 24/4/2015, conforme comprovante de fl. 86, e que a área destinada à Reserva Legal, de fato, está em percentual inferior ao regramento atual (comprovante de inscrição no SICAR, fl. 90).
Ao tratar da Reserva Legal, o art. 18 do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) assim dispõe:
“Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.
§ 1°A inscrição da Reserva Legal no CAR será feita mediante a apresentação de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração, conforme ato do Chefe do Poder Executivo.
§ 2º Na posse, a área de Reserva Legal é assegurada por termo de compromisso firmado pelo possuidor com o órgão competente do Sisnama, com força de título executivo extrajudicial, que explicite, no mínimo, a localização da área de Reserva Legal e as obrigações assumidas pelo possuidor por força do previsto nesta Lei.
§ 3º A transferência da posse implica a sub-rogação das obrigações assumidas no termo de compromisso de que trata o § 2º.
§ 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato”.
Quanto ao percentual mínimo de área correspondente à Reserva Legal, o art. 12 da referida lei determina:
“Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei
1- localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;
b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;
c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais”.
De sua parte, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, ao tratar do CAR em seu Capítulo XX, assim especificam:
“125.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 125.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da Reserva Legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A Reserva Legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR- SP”. (g.n.)
Afirma a recorrente que o imóvel se enquadra no disposto no art. 68 do Código Florestal, o qual determina a dispensa de recomposição, regeneração ou compensação da área de Reserva Legal ao percentual de 20% estabelecido, quando a supressão da vegetação nativa ocorrera em conformidade com a legislação ambiental vigente à época.
Tais informações são confirmadas pelo documento de fl. 96, denominado “Termo de Comparecimento CBRN/CTPPB/NRPP6 n. º 00712017”, ao apontar que a Secretaria do Meio Ambiente consignou expressamente que não haveria tal obrigatoriedade de adequação ao percentual de 20%, o que também consta da Nota Técnica Conjunta ARISP/SMA/CETESB de fl. 98/99.
A Secretaria Estadual do Meio Ambiente assim declara à fl. 96:
“A delimitação da Reserva Legal se tornará obrigatória quando houver decisão judicial, exigência de licenciamento ambiental da área, ou de fato, quando iniciar os prazos para adesão ao Programa de Regularização Ambiental, o qual está suspenso no Estado de São Paulo devido a suspensão dos efeitos da Lei Estadual nº 15.684/2015, que regulamenta o PRA no Estado de São Paulo, em razão de liminar concedida nos autos da Ação Direta de inconstitucionalidade-ADIN nº 2100850-72.2016.8.26.0000.” (g.n.)
Não há dúvida de que, como dito, desde 24/4/2015, a área retificanda se encontra devidamente cadastrada no Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Estado de São Paulo — SICAR, sobre área de 2,51 hectares. Ocorre que, ao que consta, tal área abrange a totalidade dos remanescentes de vegetação nativa do imóvel retificando.
Aliás, já consta da transcrição de nº 24.282 (fl. 94) da referida serventia, que, em 1928, muito antes da publicação do próprio Código Florestal de 1934, a totalidade da área de ocupação já era formada por “cafezais, pastagens campineiras, 51.000 pés de café, mais ou menos, sendo quarenta e quatro mil pés podados e os demais novos, casa de morada, cinco grupos de casas para colonos, casa para empregado, cocheira, tulha, terreiro, moinho para fubá, motor a óleo, luz elétrica própria, mealheira para picar cana, duas carroças arreadas com 11 burros, aparelhos agrícolas e demais benfeitorias ali existentes”.
É fato que a área retificanda parcialmente degradada se adequa, quanto à sua área nativa remanescente, à permissão da lei ambiental anterior, encontrando-se em desconformidade, entretanto, com a legislação atual.
Nada obstante, eventual recomposição, regeneração natural ou compensação da Reserva Legal aos percentuais previstos no Código atual exigiria a adesão da recorrente ao chamado Programa de Regularização Ambiental (PRA), cujo funcionamento se encontra suspenso por decisão liminar referendada do Col. Órgão Especial desta Corte, o que inviabiliza o cumprimento desse requisito pelo interessado.
Tal entendimento foi firmado em recente julgado, em Apelação Cível de relatoria de Vossa Excelência, perante o E. Conselho Superior da Magistratura, cuja ementa peço vênia para transcrever:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Recusa de ingresso de título judicial- Sentença que declarou a usucapião, determinando, contudo, a averbação da Reserva Legal quando do registro – Liminar em ADI que suspendeu a eficácia da Lei Estadual Paulista nº 15.684/2015, instituidora do Programa de Regularização Ambiental (PRA), inviabilizando a aprovação da Reserva Legal em órgão estadual – Imóvel devidamente inscrito no CAR – Impossibilidade de cumprimento integral das exigências pelo interessado, face à suspensão da lei que regulamentou o órgão ambiental – Recurso provido. (Apelação nº 0002716-31.2016.8.26.0457, Comarca de Pirassununga, Rel. Des. PINHEIRO FRANCO, j. 10/04/2018)”. (g.n.)
No voto proferido por Vossa Excelência, foi destacada a impossibilidade de homologação de Termo de Reserva Legal pelo PRA, com possibilidade de ingresso o título apresentado, uma vez que comprovada a inscrição junto ao CAR:
“Nada obstante o dispositivo da r. sentença, deve ser afastado o óbice quanto à exigibilidade de apresentação do Termo de Reserva Legal emitido pelo órgão ambiental estadual, para a averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel. Isso porque está suspensa a eficácia da legislação estadual reguladora da matéria (Lei Estadual nº 15.684/2015), que dispõe sobre o Programa de Regularização Ambiental – PRA dos imóveis rurais, em liminar deferida pelo C. Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da ADinº 2100850-72.2016.8.26.0000”.
Nessa ordem de ideias, como as exigências atinentes à recomposição, regeneração natural ou compensação da Reserva Legal aos percentuais exigidos pela lei atual exigiria a adesão da recorrente ao chamado Programa de Regularização Ambiental (PRA), mostra-se cabível o ingresso do título, já que o imóvel se encontra devidamente inscrito junto ao CAR/SICAR.
Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo conhecimento da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, pelo indeferimento do pedido de intervenção de terceiros, na qualidade de amicus curiae, e, no mérito, pelo provimento do recurso, possibilitando a averbação pleiteada.
Sub censura.
São Paulo, 14 de agosto de 2019.
Paulo Cesar Batista dos Santos
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO
Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, indefiro o pedido de intervenção de terceiros, na qualidade de amicus curiae, e, no mérito, dou provimento ao recurso, possibilitando a averbação pleiteada.
Publique-se.
São Paulo, 19 de agosto de 2019.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça