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USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA. FRAUDE À EXECUÇÃO. VIA JUDICIAL.

1VRPSP – PROCESSO: 1118113-23.2019.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 06/02/2020 DATA DJ: 10/02/2020
UNIDADE: 2
RELATOR: Tânia Mara Ahualli
JURISPRUDÊNCIA: Procedente
LEI: LRP – Lei de Registros Públicos – 6.015/1973 ART: 216A PAR: 7
ESPECIALIDADES: Registro de Imóveis

Usucapião extrajudicial – impugnação fundamentada. Fraude à execução. Via judicial.

íntegra

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – COMARCA DE SÃO PAULO – FORO CENTRAL CÍVEL – 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS

Processo Digital nº: 1118113-23.2019.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS
Requerente: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Vistos

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Comercial e Serviços JVB S/A, após o Oficial ter julgado infundada impugnação apresentada pela suscitada em pedido extrajudicial de usucapião formulado por Renata dos Santos.

Narra o Oficial que a requerente do pedido extrajudicial, Renata, pretende a declaração de usucapião extraordinária do imóvel matriculado sob o nº 129.666 na mencionada serventia. Iniciado o procedimento extrajudicial, foi apresentada impugnação pela suscitada Comercial e Serviços JVB S/A, beneficiária de penhora devidamente averbada na matrícula, aduzindo que a penhora impede o pedido de usucapião, além de alegar que há fraude à execução, por não terem sido preenchidos os requisitos para usucapião. O Oficial julgou a impugnação infundada, por entender que a penhora não impede a transmissão do imóvel (fl. 89). De tal decisão recorreu o impugnante (fls. 90/93).

A requerente Renata dos Santos manifestou-se às fls. 95/104, aduzindo que a penhora não impede a usucapião e que não há fraude a execução.

A impugnante manifestou-se às fls. 108/113, reiterando os argumentos anteriores.

O Ministério Público opinou às fls. 133/134 pela improcedência da impugnação.

É o relatório. Decido.

De início, quanto a manifestação do D. Promotor relativa à natureza do presente procedimento, entendo que, apesar da semelhança com o pedido de providências relativo a impugnação de pedido de retificação de registro, a análise da impugnação em procedimento extrajudicial de usucapião deve se dar como dúvida, já que o §7º do Art. 216-A da Lei 6.015/73 prevê a dúvida como procedimento a ser adotado “em qualquer caso”.

Dito isso, pontuo como correto o entendimento adotado pelo Oficial quanto a inexistência de impedimento, fundado na existência de penhora, para o pedido de usucapião. Neste sentido, o Art. 14 do Prov. 65/17 da Corregedoria Nacional de Justiça é expresso:

Art. 14 – A existência de ônus real ou de gravame na matrícula do imóvel usucapiendo não impedirá o reconhecimento extrajudicial da usucapião.

E não poderia ser diferente, já que a usucapião, por se tratar de forma originária de aquisição da propriedade, não pode ser limitada por relação jurídica estabelecida pelo titular de domínio com terceiro, já que da forma originária decorre justamente a inexistência de vínculo entre a aquisição de propriedade e as antigas relações jurídicas dela decorrentes.

Não obstante, o procedimento de usucapião extrajudicial tem como principal requisito a inexistência de lide, de modo que, apresentada qualquer impugnação, a via judicial se torna necessária, nos termos do §10º do Art. 216-A da Lei 6.015/73. Não por outra razão, o parágrafo único do citado Art. 14 do Prov. 65/17 impede o prosseguimento do pedido extrajudicial caso o titular do direito impugne o pedido. Cito:

Parágrafo único. A impugnação do titular do direito previsto no caput poderá ser objeto de conciliação ou mediação pelo registrador. Não sendo frutífera, a impugnação impedirá o reconhecimento da usucapião pela via extrajudicial.

Não se pode negar que, mesmo que a penhora não seja suficiente para impedir o pedido, seu registro regular gera interesse ao beneficiário, que pode impugnar a usucapião. E, como expresso em norma do CNJ, tal impugnação veda o prosseguimento extrajudicial.

Aqui, pontuo que as NSCGJ do Tribunal de Justiça de São Paulo, em seu item 418.19.1, inserido no Cap. XX, alterou a redação da norma do CNJ em âmbito estadual, ao dispor que, não sendo frutífera a conciliação, será adotado o rito do item 420, que diz respeito justamente a possibilidade de análise, pelo Oficial e pelo Corregedor Permanente, da pertinência da impugnação.

Assim, em um primeiro momento, se analisada a impugnação tão somente no fundamento de existência de penhora, esta deveria ser afastada, como feito pelo Oficial, pelas razões já expostas.

Ocorre que a impugnação não se limita a tal fundamento: o impugnante alega que há fraude à execução, havendo comodato e acordo entre proprietário e requerente para impedir o leilão do bem. E quanto a esta espécie de fundamento, já decidiu este juízo no Proc. 1099413-96.2019.8.26.0100:

As Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiando a qualificação do Oficial de Registro e a importância do procedimento extrajudicial, trouxeram pequena flexibilização a tal regra no item 4291 do Cap. XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação, afastando-se aquelas claramente impertinentes.

Como bem demonstra o item 429.5 do mesmo capítulo, tal julgamento deve se dar de plano ou após instrução sumária, não cabendo ao Juiz Corregedor Permanente permitir a produção de prova para que se demonstre a existência de óbice ao reconhecimento da usucapião.

É dizer que, apresentada impugnação, deve-se apenas verificar se seu caráter é meramente protelatório ou completamente infundado. Havendo qualquer indício de veracidade, que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado ingressar com pedido judicial, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir o pedido.

E, para fins de analisar-se se fundamentada ou não a impugnação, cumpre citar o item 429.2 do Cap. XX das NSCGJ:

429.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar.

E a impugnação apresentada não se encaixa nas hipóteses acima previstas.

Não se trata de impugnação cujo fundamento seja questão específica já analisada por este juízo, tampouco de hipótese de avanço sobre a propriedade, uma vez que os impugnantes não são confrontantes.

Do mais, há exposição sumária dos motivos de discordância, sendo que a petição traz questões referentes a existência de comodato (…), que não poderia ser comprovado na via extrajudicial, sendo a via judicial adequada para que se exerça a ampla dilação probatória com respeito ao contraditório e ampla defesa, salientando-se que a possível existência do comodato verbal é prejudicial ao pedido de usucapião, pois afasta a posse com animus de proprietário.

(.,..) [N]ão cabe a este juízo analisar o mérito da impugnação, mas apenas a existência de fundamentação mínima que demonstre a existência válida de impugnação ao pedido. E tal requisito foi preenchido no presente feito, cabendo ao juízo comum analisar se verdadeiras ou não as alegações.

Em suma, havendo plausibilidade nas alegações, o feito deve ser extinto e as provas produzidas judicialmente. Saliento que, sendo remetidos os autos a via judicial com tais fundamentos e, eventualmente, sendo reconhecido pelo juiz competente que estes não tinham qualquer base fática, sendo a impugnação meramente protelatória, nada impede a imposição de multa processual por litigância de má-fé contra a impugnante, mas tal questão há de ser decidida na ação judicial.

Destaco, por fim, que ao declarar fundamentada a impugnação não se está afirmando sua veracidade, ou que inexiste o direito a usucapião, mas apenas que o prosseguimento na via extrajudicial está obstado.

Em suma, entendo que a análise do Oficial, quanto a penhora em si, estava correta, mas a impugnação não foi enfrentada inteiramente, sendo que os demais argumentos, relativos a inexistência de animus domini, estão minimamente justificados na alegação de fraude a execução, o que impede o seguimento do pedido extrajudicial.

Destaco, novamente, que não se está julgando aqui o mérito do pedido e da impugnação (a existência, ou não, do comodato ou da fraude), mas apenas que a impugnação é minimamente plausível para os fins de impedir o prosseguimento administrativo do feito, já que devidamente caracterizada a lide.

Com o trânsito em julgado da presente dúvida, os autos retornarão ao Oficial de Registro, que dará baixa na prenotação e lavrará relatório do processado, cabendo ao interessado, se assim entender pertinente, requerer a retomada do procedimento judicial, podendo aproveitar tudo aquilo que processado perante a serventia extrajudicial, nos termos do decidido no Proc. 1000162-42.2018.8.26.0100.

Destaco que, apesar dos benefícios do procedimento extrajudicial e de ser louvável a opção realizada pela requerente de suspender o pedido judicial, a existência de impugnação exige que o prosseguimento continue judicialmente.

Do exposto, julgo procedente o presente feito, julgando fundamentada a impugnação apresentada por Comercial e Serviços JVB S/A no pedido extrajudicial de usucapião que corre perante o Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Renata dos Santos, determinando o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que deverá arquivar o feito e cancelar a prenotação, cabendo ao interessado retomar o procedimento judicial se assim entender pertinente, podendo aproveitar-se dos documentos produzidos extrajudicialmente.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 06 de fevereiro de 2020.

Tania Mara Ahualli
Juiz de Direito

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