Ter a posse de um terreno é muitas vezes difícil e demorado. Quando a moradia ainda nem existe no cartório, é pior ainda. Os casos são inúmeros tanto na Bahia como no Brasil, conforme informou ao Bahia Notícias o presidente da Associação de Notários e Registradores de Mato Grosso (Anoreg-MT) e referência nacional no assunto, José de Arimateia. De passagem pela Bahia para orientar prefeituras a fazer regularização fundiária, Arimateia disse que o problema de imóveis irregulares é “seríssimo”. Na entrevista, o professor detalhou o caminho para conseguir de vez a propriedade, citou o projeto Área Legal e afirmou que o cidadão preciso assegurar o documento final, não ficar apenas na ideia da posse. “Nossa cultura brasileira ainda é da posse. As pessoas não se preocupam com documento”, avaliou. Leia abaixo a entrevista na íntegra.
Foto: Lucineide Freitas
Nas viagens pela Bahia qual foi a realidade que o senhor encontrou?
Estivemos em Santo Estevão, Queimadas e Itapetinga e o que encontramos, principalmente nas duas primeiras, foram pessoas interessadas na regularização fundiária, conforme propõe a lei 13465, oriunda da medida provisória 759 de 2016. Então, todo imóvel que estiver na irregularidade ou informalidade será obrigado a passar pela regularização fundiária. Mesmo loteamentos clandestinos, núcleos urbanos e rurais, tudo isso é objeto de regularização fundiária. Será também sem nenhum custo para o interessado. O município tem grande responsabilidade sobre a questão, como também é preciso vontade política a nível federal, estadual e municipal.
As prefeituras, de modo geral, já dispõem de estruturas que facilitam o trabalho ou ainda estão em construção desse aparato?
Estão construindo. No Brasil já existem prefeituras com secretarias específicas para fazer esse trabalho. As que visitamos estão em construção e os prefeitos têm muito interesse em abraçar a bandeira, notadamente agora com apoio do Tribunal de Justiça da Bahia. A credibilidade torna-se maior e é importante que as pessoas vejam o quanto é interessante unir poderes para que as realizações aconteçam. Isso faz desaparecer também o caráter político-partidário.
O senhor tem ideia de quanto é o tempo que a pessoa gasta para fazer todo o processo da regularização fundiária?
No passado a espera era longa porque o interesse maior era da pessoa. Hoje, o interesse maior é do município. Antes era difícil porque a pessoa perambulava por órgãos diversos para saber por onde ia começar. Hoje, ela já tem um ponto de partida que é o município. O todo poderoso é o município. Claro que outros entes também podem tomar a iniciativa, mas partindo da prefeitura é mais fácil. O primeiro passo é diagnosticar qual é o núcleo informal que vai ser objeto de regularização.
Foto: Lucineide Freitas
Na prefeitura é feito o quê?
O cidadão sabendo do programa, no caso do Área Legal aqui na Bahia, vai procurar saber se está inserido naquele núcleo que a prefeitura escolheu para promover a Reurb [Regularização Fundiária para fins sociais]. Não é o cidadão que vai cuidar do assunto isolado. Ele vai estar inserido em um contexto onde aquele núcleo urbano informal é que vai ser objeto de Reurb.
A Reurb atende quem?
O que se busca na Reurb é atender pessoas de baixa renda, ou predominantemente de baixa renda. Digamos que no núcleo urbano tenha pessoas que não são de baixa renda, mas se for a minoria, elas acabam ficando contempladas porque predomina a maioria. Se 51% são de pessoas de baixa renda, aqueles 49%, mesmo não sendo de baixa renda, acabam sendo beneficiados.
E como a prefeitura faz o diagnóstico dos núcleos urbanos?
Esse diagnóstico é feito com certa antecedência para saber se naquela comunidade as pessoas são ou não de baixa renda. Depois do diagnóstico vem o decreto do prefeito que é amparado pela Câmara de Vereadores. Ao concluir essa parte, a prefeitura recebe das pessoas a documentação que elas têm, como, por exemplo, IPTU, contrato de posse, ou qualquer tipo de papel que tiverem. A partir daí vai se saber com precisão a área legitimada porque os lotes nessa situação na maioria das vezes são irregulares. Também não vai precisar seguir o que era previsto na antiga lei do solo urbano. Muitas das questões serão flexibilizadas, e aí vem a participação das secretarias de meio ambiente, notadamente nas áreas de risco.
Foto: Lucineide Freitas
E o tempo no cartório. Demora?
No cartório o prazo é de 30 dias para promover o registro. A prefeitura vai expedir uma certificação de regularização fundiária, a CRF. Esse documento é levado ao cartório e em 30 dias deve ficar registrado. O prazo vai depender da tramitação na prefeitura, com o diagnóstico do núcleo informal e o cadastramento das pessoas.
Todo o processo de regularização ocorre em quanto tempo?
O procedimento tem que acontecer dentro de 180 dias. Em seis meses, ele tem que ser concluído sob pena de caducar e ter que fazer tudo de novo.
As associações de bairro participam do processo de regularização?
As associações de bairro podem participar, pressionando. O interessado também pode acompanhar de perto. Hoje se busca fazer acordos de participação dessas entidades civis com a prefeitura para que o trabalho seja agilizado. Esses acordos são feitos com universidades, com a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], com a Anoreg [Associação dos Notários e Registradores].
Nas cidades baianas que o senhor visitou, qual foi o fato que mais lhe chamou à atenção em relação à regularização fundiária?
Em Queimadas nós tivemos um caso sui generis. A prefeitura mantinha um cadastro que dava em torno de 3,5 mil imóveis. Só que o prefeito na busca pela regularização conseguiu dobrar esse número de cadastro, indo para pouco mais de 7 mil imóveis. É necessário lembrar que o cadastramento deve estar regular para que se faça a regularização fundiária.
Quando o cidadão tem a confirmação da posse definitiva do imóvel?
A propriedade vem com o documento final, registrado em cartório. O documento particular de posse, com reconhecimento de firma, não é o documento final. Este sim é a certidão de regularização fundiária. No entanto, há ainda a ideia que basta uma procuração com contrato particular para concluir o processo. Não é assim. Nossa cultura brasileira ainda é da posse. As pessoas não se preocupam com documento.
Foto: Lucineide Freitas
Se muita gente não recebe o documento final, deve haver muitos imóveis irregulares?
Mais de 90% das situações estão nessa situação. Não é privilégio da Bahia, de Queimadas, nem de outros lugares. A propósito, o número de imóveis regulares no cartório de registro de imóveis é ínfimo tanto em Queimadas, como em Santo Estevão, em Feira de Santana ou em Salvador. Muito pequeno. Não é privilégio da Bahia. Campinas, no interior de São Paulo, tem 70% dos imóveis na informalidade. Dá pra sentir que o problema no Brasil é seríssimo.
Será que não há também aquela história “ah, não vou regularizar porque vou ter de pagar IPTU”?
Mas vamos lá. A partir do momento em que você tem um imóvel regularizado, registrado em cartório, o valor dele é muito maior. Também tem a possibilidade de conseguir um financiamento, ter vários benefícios. O documento registrado dá à pessoa, ao credor ou a aquele que vai negociar um direito real de propriedade, ao passo que a pessoa sem o direito real da propriedade tem apenas um documento de posse ou às vezes nem tem isso. Se ele precisar de fazer prova de ser o dono daquele imóvel, dono no sentido amplo, ele não vai conseguir.
Tem alguma prefeitura baiana que tem avançado na regularização fundiária?
Hoje nós temos um exemplo de prefeitura que vem trabalhando com muita precisão. Nós estivemos em Campo Formoso e vimos que eles estão fazendo diagnóstico e mostrando a população a necessidade da regularização. Sugerimos, inclusive, que Campo Formoso pudesse servir de referência da região, porque a partir daí, reunindo vários municípios em torno dele, poderiam ter uma agenda comum.