O constituinte de 1988 adotou uma das mais inteligentes estratégias ao cuidar dos antigos cartórios. Converteu-os em delegações extrajudiciais para exercício em caráter privado, sem ônus para o Estado. Ao contrário, o Erário se beneficia dos serviços prestados, auferindo polpuda parcela dos emolumentos, o custo das atividades confiadas às delegações.
Foi essa feliz concepção que permitiu a profunda mutação no cenário das serventias. Modernizaram-se, enfrentaram galhardamente o advento da Quarta Revolução Industrial e incrementaram os negócios numa economia oscilante e frágil, tão característica à realidade brasileira.
A realidade contemporânea funciona em redes e a desenvoltura com que prestações estatais, desde que desempenhadas no modelo privatístico, as assumiram, é fato incontroverso. Basta recordar como eram as serventias extrajudiciais antes de 1988 e como são em 2020. Foi a mentalidade empresarial e o rigor com que selecionados por concurso público os titulares das delegações que permitiu esse aprimoramento. Um vantajoso acréscimo foi a criação de entidades associativas que imprimiram notável impulso à ampliação dos serviços. Em São Paulo, a visão sem preconceitos de Corregedores Gerais alavancou a possibilidade de uma exitosa aceleração das prestações registrarias.
O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, acompanhou a tendência de dinamização e assimilou a necessidade de normatizar a atuação cartorária, em atenção à crescente demanda do mercado.
Ofereceu-se ao destinatário dos serviços a alternativa de obtenção eletrônica de informações de seu interesse para o trânsito negocial, mediante módica remuneração desse plus. A precificação não é uma categoria tributária, não é taxa ou contribuição, mas apenas satisfação dos custos do serviço.
A ninguém se coibiu obter dados, informações e documentos, pela via convencional. Todavia, a realidade digital impôs-se à maioria dos usuários das delegações, diante da vantagem inegável da celeridade sem descuidar da segurança. Evitou-se qualquer burocracia, a logística dispendiosa e cansativa da locomoção física até à sede do Registro e o fluxo eletrônico mostrou-se capaz de conferir agilidade às operações imobiliárias.
O investimento das associações de registradores para compor estruturas capazes de satisfazer as exigências dos parceiros foi substancioso. Importante enfatizar que tudo se fez com a maior transparência, cada passo homologado pelas Corregedorias, tanto a permanente, como a Geral. E sob amparo do CNJ, que se mostrou, à época, inteiramente capaz de atender à finalidade para a qual foi preordenado: ser um verdadeiro órgão de planejamento do Poder Judiciário e de atividades a ele conexas, para melhor servir ao jurisdicionado.
O Provimento CNJ 47/2005 propiciou a assunção de tarefas das quais a estrutura do Judiciário não conseguiria se desincumbir. Para isso, favoreceu a criação de centrais eletrônicas estaduais. São entes privados de efetiva e eficiente colaboração pública e seu funcionamento mostrou-se exemplar case de sucesso.
Para que o sistema tenha operacionalidade e incorpore as funcionalidades surgidas do contínuo desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, é evidente que tenha seu custeio pago por quem dele venha a se servir. Isso se faz de maneira transparente, cuja exclusiva finalidade é o estrito custeio da máquina.
Não se confunde a atividade do Registro de Imóveis e aquela prestada pelas Centrais Eletrônicas, fruto de uma saudável conjugação de esforços entre os delegatários. Quando se congregam, o fazem à luz do direito privado, com o intuito de propiciar opções que melhor atendam à urgência negocial imobiliário.
Quando o CNJ impede a cobrança do preço estabelecido em contrato, ele freia a expansão benéfica de se preservar a higidez econômica de um nicho sensível e de extrema relevância: o mercado imobiliário. É um retrocesso incompatível com a vocação de pioneirismo do CNJ, lamentavelmente, neste caso, equivocado ao confundir saudável avanço do setor, com a imprescindível orientação técnica e fiscalização estrita dos serviços típicos à área registral.
Há uma nítida invasão de competência do respeitado órgão do Poder Judiciário, criado pela Emenda Constitucional 45/2004. A sua atribuição é fiscalizar e controlar o Poder Judiciário, atuando como verdadeiro órgão de planejamento da única função que, não se submetendo ao sufrágio, legitima-se pela atuação escorreita de seus integrantes. Não é coibir o funcionamento de associações civis, cuja criação é enfatizada pelo constituinte, a reconhecer os grupos intermediários como anteparo à onipotência estatal, não raro tendente ao absolutismo.
As associações dos Registradores Imobiliários deveriam ser prestigiadas pelo CNJ, eis que atuam no sentido de aliviar a excessiva carga de trabalho do Judiciário e o fazem com eficiência e lisura. Obstar a que recebam pelo plus de qualidade de serviço prestado é verdadeiro desserviço a uma nacionalidade tão carente de iniciativas análogas.
José Renato Nalini é estudioso do Direito Registral e Notarial. Foi corregedor-geral da Justiça e presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo