íntegra
PODER JUDICIÁRIO – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000446-15.2018.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é apelante CONCESSIONARIA AUTO RAPOSO TAVARES S/A – CART, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), DAMIÃO COGAN, EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 25 de junho de 2019.
PINHEIRO FRANCO
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível nº 1000446-15.2018.8.26.0047
Apelante: Concessionaria Auto Raposo Tavares S/A – Cart
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis
Voto nº 37.775
REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Carta de Adjudicação. Qualificação registral. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento, em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, § 1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º e 225, § 3º) e ao Princípio da Especialidade Objetiva. Recurso desprovido, com observação.
Trata-se de recurso de apelação interposto pela CONCESSIONÁRIA AUTO RAPOSO TAVARES S/A contra a r. sentença de fls. 166/173, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Assis, mantendo a recusa do ingresso de carta de adjudicação em razão da necessidade de apresentação de memorial descritivo e planta georreferenciados da área desapropriada, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciados ao Sistema Geodésico Brasileiro, certificados pelo INCRA, nos termos do disposto no parágrafo 3º, no artigo 225, da Lei 6.015/1973.
Sustenta a apelante cuidar-se de desapropriação de imóvel para fins de trecho de rodovia, não cabendo a imposição das exigências e sim o registro da carta de adjudicação, tendo em vista a natureza originária da aquisição. Verbera que, uma vez desapropriada a área para a construção de rodovia, tal bem passa a ser de uso comum do povo, perdendo suas características de imóvel rural, de forma que o Decreto 62.504/1968 dispõe que desmembramento de imóveis por ocasião de desapropriação por utilidade pública não está sujeito à disposição do art. 65 do Estatuto da Terra, bem como tal desmembramento independe de prévia autorização do INCRA.
Afirma, assim, que, tratando-se de ente público, a simples apresentação de planta e memorial descritivo bastariam para a abertura de matrícula da área desapropriada.
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 238/241).
É o relatório.
Presentes os pressupostos legais e administrativos, conheço do apelo.
No mérito, o recurso não comporta provimento.
A natureza judicial do título apresentado não impede sua qualificação registral quanto aos aspectos extrínsecos ou aqueles que não foram objeto de exame pela Autoridade Jurisdicional.
O item 119, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça é expresso acerca do dever do Oficial do Registro de Imóveis a tanto, como se constata de sua redação:
“119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”
Essa questão é pacífica nos precedentes administrativos deste órgão colegiado, entre muitos, confira-se trecho do voto do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época, na Apelação nº 0001561-55.2015.8.26.0383, j. 20.07.17:
“A origem judicial do título não afasta a necessidade de sua qualificação registral, com intuito de se obstar qualquer violação ao princípio da continuidade (Lei 6.015/73, art. 195). Nesse sentido, douto parecer da lavra do então Juiz Assessor desta Corregedoria Geral de Justiça, Álvaro Luiz Valery Mirra, lançado nos autos do processo n.º 2009/85.842, que, fazendo referência a importante precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n.º 31.881-0/1), aduz o que segue:
“De início, cumpre anotar, a propósito da matéria, que tanto esta Corregedoria Geral da Justiça quanto o Colendo Conselho Superior da Magistratura têm entendido imprescindível a observância dos princípios e regras de direito registral para o ingresso no fólio real seja pela via de registro, seja pela via de averbação de penhoras, arrestos e seqüestros de bens imóveis, mesmo considerando a origem judicial de referidos atos, tendo em conta a orientação tranqüila nesta esfera administrativa segundo a qual a natureza judicial do título levado a registro ou a averbação não o exime da atividade de qualificação registral realizada pelo oficial registrador, sob o estrito ângulo da regularidade formal (Ap. Cív. n. 31.881-0/1).””
De fato, a desapropriação encerra forma originária de aquisição da propriedade.
Nesse sentido, o voto do Desembargador José Renato Nalini, Corregedor Geral da Justiça ao momento do julgamento da Apelação nº 0001026-61.2011.8.26.0062, em 17/01/2013:
“A desapropriação, amigável ou judicial, concluída extrajudicialmente, na via administrativa, ou por meio de processo litigioso, com a intervenção do Poder Judiciário, revela-se, sempre, um modo originário de aquisição da propriedade: inexiste um nexo causal entre o passado, o estado jurídico anterior, e a situação atual. A propriedade adquirida, com o aperfeiçoamento da desapropriação, liberta-se de seus vínculos anteriores, desatrela-se dos títulos dominiais pretéritos, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, tanto que não poderá ser reivindicada por terceiros e pelo expropriado (artigo 35 do Decreto-Lei nº 3.365/1941), salvo no caso de retrocessão.”
A natureza originária da aquisição pela desapropriação, contudo, não descaracteriza a submissão dessa situação jurídica à hipótese de desmembramento de imóvel rural, porquanto a área desapropriada (autos nº 1005012-46.2014.8.26.0047, 1ª Vara Cível da Comarca de Assis), inserida na área rural matriculada sob o nº 43.615, possui área de 16.969,87 m², destacada de área maior com 6,70 hectares (fl. 6).
O art. 176, § 3º, da Lei nº 6.015/73 dispõe:
“§ 3° Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1° será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”
Na mesma linha, o art. 225, § 3º, da Lei nº 6.015/73, prescreve:
“§ 3° Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georeferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”
A interpretação teleológica das referidas disposições normativas permite a compreensão de sua incidência no caso da desapropriação de parcela de imóvel rural, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.
Nessa linha, há precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura, como se observa de extrato do voto do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época, na Apelação nº 1002005-13.2016.8.26.0100, j. 25.11.16:
“Também tem razão o Oficial em relação à exigência de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA. Conforme precedentes recentes citados pelo Oficial, este Conselho tem posição firme no sentido de que a exigência formulada encontra respaldo nos artigos 176, §§ 3º e 5º, e 225, § 3º, ambos da Lei nº 6.015/73; artigo 9º, § 1º, do Decreto nº 4.449/02; e artigo 2º do Decreto nº 5.570/05. A propósito:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – CARTA DE SENTENÇA EXTRAÍDA DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA RURAL – NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DO INCRA DE QUE A POLIGONAL OBJETO DO MEMORIAL DESCRITIVO NÃO SE SOBREPÕE A NENHUMA OUTRA CONSTANTE DE SEU CADASTRO GEORREFERENCIADO E QUE O MEMORIAL ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS TÉCNICAS – EXIGÊNCIA CORRETA APRESENTADA PELO OFICIAL, EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ESPECIALIDADE OBJETIVA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO” (Apelação nº 0001532-10.2014.8.26.0037, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 16/10/2014).
A Medida Provisória n. 700/2015, mencionada pela apelante, sequer havia sido editada quando da apresentação do título. Ele foi apresentado em 17 de setembro de 2015, ao passo que a medida provisória é de 08 de dezembro de 2015 (ressalte-se, aliás, que essa medida provisória nem mesmo foi reeditada; já foi revogada).
Vigorando, entre nós, o princípio do tempus regit actum, descabe analisar o argumento.”
A localização do imóvel é em área rural, pois compreendia imóvel dessa natureza; tampouco há indicação de situar-se em área urbana, assim definida pelo município.
Embora afirme a recorrente que a desapropriação transforma a área em bem de uso comum do povo, o fato de se cuidar de rodovia que cruza área rural não a transforma em área urbana. Além disso, no precedente acima referido (na Apelação nº 1002005-13.2016.8.26.0100) constou no voto convergente do Desembargador Ricardo Dip, então Presidente da Seção de Direito Público:
“As exigências concernentes ao cadastro do imóvel desapropriado junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -Incra (“CCIR”) e a seu georreferenciamento são de todo pertinentes, porque a especialidade objetiva do imóvel tem apurar-se, segundo preceitua o direito posto (vide art. 176, § 1º, II, 1, a, e §§ 3º-5º, e art. 225, § 3º, da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e art. 22 da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966), ainda que, como sucede in casu, haja aquisição originária: afinal, da circunstância de que, na desapropriação judicial, não se leve em conta a existência de direito anterior, não se extrai que o objeto do direito deva isentar-se de individuação secundum legem. Não é possível, na amplitude campal da realidade das coisas, admitir um direito sobre coisa indiferenciada, porque seria o mesmo que admitir um direito sem objeto.“ (g.n).
Portanto, compete definir a exata localização do imóvel conforme as coordenadas de seus vértices, consoante previsto na Lei de Registros Públicos.
A sentença judicial em ação de desapropriação não está isenta da incidência das demais determinações legais para o ingresso do título no registro imobiliário.
Desse modo, é necessário o georreferenciamento para o ingresso do título judicial atinente à desapropriação parcial de imóvel para implantação de rodovia, conforme os precedentes deste Conselho Superior da Magistratura.
E tal obrigatoriedade se impõe ainda que não se esteja falando em transmissão de propriedade, mas sim em forma de extinção da propriedade do anterior titular (art. 1275, inciso V, do Código Civil), independentemente de haver ou não interesse da Administração Pública ou suas concessionárias.
Por fim, em razão da extinção da propriedade pela desapropriação, bem como o destaque de área menor, merece observação a necessidade do georreferenciamento apenas da área desapropriada, sem necessidadede sua efetivação para fins de apuração do remanescente da matrícula da qual será destacada, como também tem sido decidido reiteradamente por este Eg. Conselho Superior da Magistratura.
Ante o exposto, nego provimento à apelação, com
observação.
PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator