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O fenômeno global da desjudicialização, o PL 6.204/19 e a agenda 2030/ONU-ODS

Se por um lado pouco evoluiu a tramitação do projeto em exame, de outra parte, não faltaram debates acadêmicos, seminários, lives, eventos virtuais em geral, artigos e publicação de coletânea de estudos, colocando em evidência a magnitude do tema em voga.

Está completando um ano a tramitação de um dos mais importantes projetos de lei que o Congresso Nacional já recebeu nos últimos tempos – o PL 6.204/19 – de autoria da senadora Soraya Thronicke,1 que dispõe sobre a desjudicialização das execuções civis fundadas em títulos extrajudiciais e cumprimento de sentenças condenatórias de quantia certa.

Lamentavelmente, os efeitos negativos causados pela pandemia covid-19 são inúmeros (talvez incontáveis), dentre eles a paralização dos trabalhos regulares do Legislativos, acarretando sérios prejuízos para a Nação. Ao nosso sentir, alguns projetos de lei estavam (e estão) a merecer atenção especial dos parlamentares, diante das matérias versadas com grande potencial voltado à minimização de problemas de ordem jurídica, social, política e econômica a curto e médio prazo – um deles é o PL 6.204/19.

Se por um lado pouco evoluiu a tramitação do projeto em exame, de outra parte, não faltaram debates acadêmicos, seminários, lives, eventos virtuais em geral, artigos e publicação de coletânea de estudos2, tudo no mais alto nível científico, colocando em evidência a magnitude do tema em voga.

De fato, o PL 6.204/19 é um desses projetos legislativos que merece tramitação preferencial em face das importantes proposições nele contidas e seus efeitos, tais como a sensível redução do número de demandas executivas civis em curso (mais de 13 milhões), valendo lembrar que um dos efeitos nefastos já sentidos com a pandemia é o aumento de novas ações que aportam ao Poder Judiciário, com indicadores de crescimento ainda maior para os próximos meses e anos (somando-se aos 80mi de processos existentes), de maneira a agravar difusamente os problemas atuais atinentes às dificuldades de resolução de conflitos em tempo razoável com efetiva satisfação.

Para reduzir esse acúmulo gigantesco de processos que retardam a efetivação da prestação jurisdicional, é necessário que se modifique (a médio e longo prazo) a cultura do descumprimento das normas, da inadimplência e da recalcitrância do cumprimento de comandos jurisdicionais, além de incluírem-se, a curto prazo, mais pessoas capacitadas para fazer atuar esses instrumentos de maneira cabal; estes (e outros) aspectos estão bem destacado no PL 6.204/19 ao ampliar as atribuições dos delegatários constitucionais dos serviços prestados pelo Poder Judiciário (CF, art. 236, caput) – desta feita dos tabeliães de protesto, como agentes de execução.

É inaceitável o longo trâmite das execuções no Brasil (quase cinco anos!!!)3 – tendendo a alongar-se ainda mais durante e pós-pandemia – enquanto o PL 6.204/19 oferece boas soluções para minimizar o problema em que se encontra mergulhada a prestação da tutela jurisdição estatal (cada vez mais em crise). Vale lembrar que, além de cláusula pétrea, a obtenção da resolução de conflitos em tempo razoável, incluindo-se o resultado prático matizado na satisfatividade, é também norma fundamental de Processo Civil (CF, art. 5º, LXXVIII c/c CPC, art. 4º).

Há de se ter presente que, na feitura de uma lei devem ser considerados todos os aspectos em que esta lei se insere; no caso das execuções, um deles é a impossibilidade material de admitir- se na conjuntura hodierna o mito (que não deve ser cultivado) da administração da justiça prestada exclusivamente por juízes togados.

A solução trazida pelo PL 6.204/19 implica na alocação de algumas das atividades até então prestadas por magistrados para os tabeliães de protesto ou outros serventuários extrajudiciais que exerçam essa e outras atribuições em caráter cumulativo.4

O PL traz novidades oportunas e alvissareiras, porquanto voltadas à minimizar problemas atuais e inibir os que se avizinham, na exata medida em que a redução de demandas executivas além de desafogar sensivelmente o Judiciário, passa a conferir aos juízes mais tempo para destinarem suas atividades para a pratica de atos efetivamente jurisdicionais (resolvendo pretensões resistidas em demandas de conhecimento, muitas delas de urgência). São medidas que auxiliarão o Poder Judiciário, desafogando-o em benefício de todos, preservando o “espaço nobre” ao julgador, que permanece com poder decisório e fiscalizador, exercendo cognição sempre que se fizer mister, como por exemplo, nos casos de embargos à execução ou de terceiro.

O PL 6.204/19 prevê um sistema de comunicação entre o agente de execução, o juízo relacionado e o procedimento que conduz. Há a possibilidade de as partes ou o próprio agende de execução socorrem-se da atuação forte do Estado-juiz mediante “consultas” ou “suscitações” (postulações diversas) sobre questões relacionadas ao título e ao procedimento executivo de forma geral; se forem necessárias medidas de coerção, deverão ser requeridas ao juiz e este, se for o caso, poderá determinar a interferência da autoridade policial competente. Em síntese: propõe-se a retirada do âmbito da atividade do Poder Judiciário a realização de aspectos materiais afetados à essas modalidades de execução.

Um dos consectários lógicos é o impacto na redução de despesas para os cofres públicos (mais de 65 bi de reais), e, em contrapartida, o aumento na arrecadação, tendo em vista que os emolumentos percebidos pelas serventias extrajudiciais são repassados em percentuais para os estados da federação a título de “fundos de reaparelhamento”, beneficiando-se não apenas o Poder Judiciário, mas dependendo da lei local, também o Ministério Público, as Defensorias Públicas etc.

De outra banda, é garantido aos hipossuficientes (credor e devedor) o acesso gratuito ao procedimento executivo extrajudicial (PL, art. 5º), enquanto os emolumentos (iniciais e finais) serão fixados pelos Tribunais locais em observância às diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça e as normas gerais da lei 10.169, de 29 de dezembro de 2000; se na data da entrada em vigor da nova lei os emolumentos não estiverem definidos em algum Estado da federação, os agentes de execução adotarão como critério de cálculo para remuneração a tabela de custas judiciais aplicáveis aos processos de execução judicial, de acordo com a lei local (PL, art. 28).

Não se pode olvidar que a desjudicialização é fenômeno global em destaque, razão pela qual objeto de nossas considerações, levando-se em conta o fato legislativo em concreto concernente as propostas contidas no PL 6.204/19, forjado sob a luz das tendências contemporâneas do direito processual civil.

Aliás, na história do Direito Processual Civil, na altura de fins da década de 70, era ainda comum a nomenclatura de direito judiciário civil. Esse nome veio a ser abandonado porque a expressão judiciário se referiria exclusivamente à atividade do juiz, ficando semanticamente de fora a execução. Foi substituída essa expressão, para compreender-se a execução como parte do Direito Processual Civil. Hoje parece se esboçar uma reversão que poderá vir até a influir no nome da disciplina.

Atualmente, diante de uma tendência inversa já concretizada na Europa, poder-se-ia colocar em dúvida que a atividade judiciária deva abrigar massivamente a prática de atos relacionados à execução praticados por juiz; mas a orientação seguida pelo projeto 6.204/19 não descarta para o que é importante a presença do magistrado.

Neste ponto, algumas críticas feitas ao PL são equivocadas e infundadas, pois o juiz continua sendo o guardião da segurança jurídica, do devido processo constitucional, pronto para ser chamado e atuar sempre que necessário para resolver questões e incidentes procedimentais por ventura não solucionados extrajudicialmente. Também já foi comprovado em países que utilizam essa técnica que atuação do juiz, nesses casos, não é elemento de retardo procedimental, por tratar-se de garantia processual, desde que manejados pelas partes em observância ao dever de lealdade processual; caso contrário, a prática de ato protelatório haverá de ser coibida pelo magistrado por litigância de má-fé.

O PL 6.204/19 não traz consigo qualquer mácula de inconstitucionalidade.5 Não se sustentam entendimentos em sentido contrário, tais como “violação da reserva de jurisdição, princípios do juiz natural e inafastabilidade, indeclinabilidade e não delegação das atividades jurisdicionais estatais”; ouve-se também vozes contrárias às práticas dos atos executórios pelos tabeliães de protesto, com indicação dos advogados para realizarem as tarefas de agentes de execução.

Sobre essas “resistências” ao PL 6.204/19, algumas brevíssimas considerações havemos de fazer, vejamos:

a) Há muito encontra-se superado o que no passado denominou-se de “reserva de jurisdição”; flexibilizou-se os subprincípios do “juiz natural” e da “inafastabilidade da jurisdição estatal”. No brasil, por exemplo, o supremo tribunal federal há quase 20 anos atrás (em 2001) colocou pá de cal acerca do tema alusivo à (in)constitucionalidade da lei da arbitragem (9.307/96)6, no julgamento do processo de homologação de sentença estrangeira 5206-8/246, oriunda do reino da espanha, em recurso de agravo regimental, e, nessa linha, acertadamente o código de 2015 deu o tom de modulação à regra insculpida no art. 5º, inc. XXXV da lei maior ao dispor no art. 3º, caput, que “não se excluirá da apreciação jurisdicional [pública ou privada] ameaça ou lesão a direito”, reafirmando o permissivo legal da arbitragem, em seu § 1º.

b) É ingênuo professar que os advogados deveriam absorver as atribuições de agentes de execução; ledo engano, pois em países do continente europeu que assimilaram a técnica da execução desjudicializada total ou parcial (sob os auspícios do conselho europeu através da recomendação 17/03), os advogados prestam concurso público para exercerem as funções de “agente executivo” ou, tratando-se de sistema híbrido, são funcionários que, em linhas gerais, integram a estrutura do poder executivo ou do judiciário, destacados para o exercício desta atribuição, com maior ou menor poder e autonomia, dependendo das configurações normativas delineadas para cada um deles, tendo como ponto comum o impedimento ou a limitação para o exercício da advocacia.7

Impensável o exercício cabal da advocacia cumulada às atribuições de agente de execução diante de manifesta incompatibilidade,8 em salvaguarda da imparcialidade e independência que devem nortear os agentes de execução, somando-se aos deveres éticos, as responsabilidades civil, administrativa e criminal, que se agregam em caráter pessoal (art. 22, lei 8.935/94). E mais: os serviços prestados pelos tabeliães de protesto, tendo-se em conta os fins e a natureza, fundam-se em organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficiência dos atos jurídicos, sendo os respectivos profissionais dotados de fé pública (cf. art. 1º e 2º da lei 8.935/94), o que em muito os diferencia dos advogados.

c) No que concerne a “delegação” de atribuições até então prestadas pelo Estado-juiz aos serventuários extrajudiciais (CF, art. 236), podemos mencionar, dentre outras, a realidade exitosa, inclusive por disposição legal, conforme verificado com a retificação do registro imobiliário (lei 10.931/04), do inventário, da separação e do divórcio (lei 11.441/07), da retificação de registro civil (lei 13.484/17) e da usucapião instituída pelo Código de Processo Civil (art. 1.071 – LRP, art. 216-A).

Convém salientar que no Código de Processo Civil de Portugal e no Código das Execuções Civis da França, os agentes da execução atuam com autonomia e iniciativa, mas ficam sujeitos ao controle judiciário e, diante do êxito obtido nesses países, a Comunidade Europeia – convencida da excelência do sistema – recomenda a adoção dessa técnica em escala maior. O projeto de lei 6.204/19 amolda-se às linhas gerais do sistema português e francês.

O assunto objeto de nossas reflexões está intimamente relacionado ao Judiciário e à Advocacia e se funda em premissas que estão a redefinir um modo contemporâneo de trabalhar o direito e de colocá-lo à disposição dos seus consumidores. Não há mais tempo – e o tempo urge – para reafirmarmos e prosseguirmos em pleno século XXI com práticas executivas superadas e que já foram testadas e desaprovadas no passado e assim se repetem no presente.

O processo de execução da forma arcaica com que se encontra ainda tratado no sistema normativo brasileiro açambarca pretensão duplamente insatisfeita e de resultado incerto, sendo que as inovações trazidas pelo Código de 2015, nesta seara, não repercutiram positivamente na prática forense; aliás, o legislador infraconstitucional foi tímido e perdeu a grande oportunidade de subtrair parcialmente atribuições do Estado-juiz no que respeita às execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais e cumprimentos de sentença condenatória para pagamento de quantia certa, o que pode ser perfeitamente corrigido com a aprovação da desjudicialização nos moldes formulados pelo PL 6.204/19.

Há três obras magnas que muito nos servem, entre outras: o autor é Richard Susskind, e a obra é Tomorrow’s Lawyers (Oxford University Press, 2017, 2ª ed. “Os advogados do Amanhã”); ainda, Online Courts and the future of Justice (Oxford University Press, 2019 “Tribunais online e o futuro da Justiça” e agora juntamente com seu filho Daniel Susskind, The Future of the Professions (“O futuro das profissões”) – o primeiro é professor em Oxford e, o segundo, em Harvard.

Os estudos que fizeram são muito abrangentes, com uma riqueza extraordinária de dados. A obra Tomorrow’s Lawyers (“Os advogados do Amanhã”) foi reputada pela ABA, a American Bar Association (Ordem dos Advogados dos Estados Unidos) como sendo disparadamente a melhor obra do mundo – é o que consta de sua contracapa.

Como nortes principais a serem perseguidos estão o enquadramento ao que se entende a respeito das modificações do mundo moderno; a primeira realidade gravita em torno a divisão do trabalho com a afetação de tarefas a outros que se colocaram como satélites do agente principal; de outra parte, propugna-se que tem de haver um esforço imenso para se obter eficiência, utilizando-se das expressões em inglês more for less (obter mais por menos = eficiência).

Está claramente implicado no projeto 6.204/19 o reconhecimento exponencial da magistratura, como não poderia deixar de ser; destacou-se da atividade corrente e normal dos juízes, a condução da execução, marcada principalmente pela materialidade dos atos.9

Para diminuir o acúmulo gigantesco de processos que impedem a finalização da prestação jurisdicional, é necessário que se tenham mais pessoas envolvidas na resolução dos conflitos em prol da rapidez com eficiência/satisfação de pretensões e com menos custos para o Estado; a solução propugnada pelo projeto fica ao abrigo da razoável duração do processo com efetividade e economia.

Isto se coaduna com uma das mais importantes diretrizes constantes dessas obras mencionadas: a divisão do trabalho, alocando-se a cada um dos integrantes desse sistema dividido em tarefas que digam respeito às suas competências.

Circunscreve-se o âmbito do projeto às execuções de títulos executivos judiciais de pagamento de quantia certa e extrajudiciais previamente protestados, excluindo-se sabiamente aqueles que trazem em seu bojo o cumprimento de obrigações de fazer, não fazer e obrigações de entregar coisa, porquanto muito mais complexas.

O protesto antecedente dos títulos é providência salutar já comprovada na prática cartorial, por ser vocacionado à imediatidade da satisfação do crédito perseguido, tratando-se de indiscutível fator inibidor da recalcitrância do devedor em efetuar o devido pagamento.

Por seu turno, o PL ressalta a figura do advogado,10 indispensável em todo o procedimento extrajudicial a ser conduzido pelo agente da execução, e, para o exercício deste mister, ninguém melhor do que os tabeliães de protesto que são, necessariamente, bacharéis em Direito que ingressam na atividade notarial mediante rigoroso e disputadíssimo concurso público de provas e títulos (CF, art. 236, caput e § 3º).

Ademais, são ainda os notários e registradores pessoas diretamente responsáveis pela prática de seus atos e de seus prepostos, na esfera administrativa, civil e criminal, o que reforça a garantia e exigência da prestação de um serviço público transparente, qualificado, célere e efetivo, somando-se ao fato de que são todos controlados e orientados permanentemente pelos Tribunais de Justiça locais, através de suas respectivas Corregedorias e pelo Conselho Nacional de Justiça. São também os serventuários extrajudiciais detentores de infraestrutura invejável (imobiliária, tecnológica e pessoal) colocada à serviço dos consumidores de suas atividades cartoriais, via de regra prestadas com selo de excelência.

É assente que, com raríssimas exceções, os serviços prestados pelas serventias extrajudiciais em todo o território nacional são de altíssima qualidade, fato atestado reiteradamente pelo Conselho Nacional de Justiça, pelos Tribunais locais e pelos consumidores de seus serviços. A desjudicialização no Brasil em forma de delegação conferida às serventias extrajudiciais é uma realidade exitosa, que se perfectibiliza por disposição legal, conforme acima apontado, enquanto o CNJ, por seu turno, reconhece o papel fundamental que os notários e registradores têm desempenhado em prol da resolução dos conflitos de maneira célere e simplificada, atividades diversas que no passado eram prestadas apenas pelo Estado-juiz.11

Os dados obtidos através de estudos feitos pelo Instituto de Pesquisa Datafolha (2016 – 2017) em âmbito nacional a respeito da satisfação dos consumidores em face dos serviços prestados pelos Cartórios Extrajudiciais, indicaram índices excepcionais de aprovação, inclusive liderando no quesito “confiabilidade”, à frente das instituições religiosas, Ministério Público, bancos, forças armadas e até do Poder Judiciário, dentre outros, além de liderar também a qualidade nos serviços públicos. Os levantamentos efetuados indicam também que a população é contrária à migração desses serviços para órgãos públicos ou empresas privadas.12

Destarte, o PL 6.204/19 está em sintonia fina com a busca de soluções para minimizar a crise da jurisdição estatal, com estreita ligação ao movimento mundial capitaneado pela ONU (Programa ou Objetivos do Desenvolvimento do Milênio – ODM)13 e as metas a serem atingidas em observância às definições da Agenda 2030. Nesta linha, o Poder Judiciário brasileiro por intermédio do Conselho Nacional de Justiça passou a estabelecer como uma de suas metas realizar ações de prevenção ou desjudicialização de litígios voltados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS (Meta 9).14

Portanto, vem a lume o PL 6.204/19 em ambiente e momentos oportunos, dotado de objetivos claros e bem definidos, de maneira a proporcionar aos jurisdicionados um eficiente mecanismo de realização de pretensões voltadas à satisfação rápida de créditos representados por dívidas líquidas, certas e exigíveis, de modo mais econômico e simplificado. Sem dúvida, como toda obra humana, a proposta legislativa não é perfeita e pode ser aprimorada com boas e fundamentadas sugestões.

Em arremate, não nos esqueçamos de que a expressão “acesso à justiça” desde os resultados obtidos com movimento capitaneado por Mauro Cappelletti no “Projeto Florença” no final da década de 70 deixou de ser compreendida como “acesso ao Poder Judiciário”. Ampliou- se o seu espectro de abrangência açambarcando métodos múltiplos de resolução de controvérsias na qualidade de verdadeiros “equivalentes jurisdicionais”, em que o mote é o amplo acesso aos meios multifacetados de resolução de conflitos, formando-se uma equação cujos vetores são tempo razoáveleficiência e satisfação. Nos dizeres do Mestre fiorentino, trata-se de uma nova forma de justiça: participativa (com a atuação de terceiros não togados) e coexistencial (fundada na autocomposição e técnicas não adversariais).

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1 Participaram da elaboração do texto legislativo os Professores Doutores Joel Dias Figueira Júnior, Flávia Pereira Ribeiro e André Gomes Neto.

2 Destacamos a recentíssima e excelente obra intitulada Reflexões sobre a desjudicialização da execução civil, em autoria coletiva, que conta com a participação de renomados autores nacionais e estrangeiros, sob a coordenação de Flávia Ribeiro Pereira e Elias Marques de Medeiros Neto, prefaciada pelas Professoras Teresa Arruda Alvim (BR) e Paula Costa e Silva (PT) – Curitiba: Editora Juruá, 2020. A obra é um marco na literatura jurídica, pois aborda com extensão e profundidade aspectos variados do tema em voga, sob o prisma do direito nacional e alienígena, além de trazer em seu bojo interessantes estudos sobre projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, dentre eles o PL 6.204/19.

3 Cf. “Justiça em Números” 2020.

4 Nas localidades desprovidas de cartórios com atribuições específicas para o protesto de títulos (atualmente existem apenas 99 tabelionatos de notas e protestos, são elas realizadas pelas demais serventias extrajudiciais que cumulam atribuições alusivas às notas, protestos e registros, perfazendo um total de 3.779 serventias extrajudiciais capilarizadas por todos os rincões do País, ao que se somam 3.779 serventuários substitutos (subtotal de 7.558 servidores). A este resultado expressivo mister ainda acrescentar que, em média, cada cartório é dotado de 5 funcionários, totalizando em 18.895 prepostos que, somados aos titulares e substitutos, representam um efetivo de nada mais nada menos do que aproximadamente 26.453 servidores aptos a colocar em prática o procedimento de execução extrajudicial de títulos executivos conforme definido no PL 6.204/19 (cf. dados oficiais obtidos através da Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR.

5 Sobre o tema “Da constitucionalidade da execução civil extrajudicial – análise dogmática do PL 6.204/2019”, v. o estudo assim intitulado de Joel Figueira Jr., in Reflexões sobre a desjudicialização da execução civil (coord. Elias Medeiros Neto e Flávia Ribeiro), capítulo 22, pp. 517/544. Curitiba: Juruá Ed., 2020; Revista Forense, vol. 2º sem. 2020 (no prelo).

6 Vale lembrar que se extrai da Lei 9.307/96 que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário” (art. 18) e que “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo” (art. 31).

7 Sobre a prática e os sistemas alienígenas atinentes à “desjudicialização da execução civil”, em particular as atividades realizadas pelo hussier (França), pelo gerichtsvollzieher (Alemanha), pelo solicitador de execução (Portugal), pelo agenti di esecuzione (Italia), pelo kronofogde (Suécia) e pelo secretário judicial (Espanha), v. Flávia Ribieiro, Desjudicialização da Execução Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2013; Joel Dias Figueira Jr.: “Execução simplificada e a desjudicalização do processo de execução: mito ou realidade”; “Desjudicialização da execução civil: as razões do PL 6.204/2019, Migalhas, n. 4888 de 7 de julho de 2020; Execução civil e temas afins – do CPC/1973 ao novo CPC – Estudos em homenagem ao Prof. Araken de Assis (coord. Arruda Alvim et. al.), pp. 576/604. São Paulo: Editora RT, 2014; & Alexandre Chini, “Desjudicialização do Processo de Execução de Ttítulo Extrajudicial”. CNJ e a efetivação da Justiça. Brasília: Editora OAB, 2019; Humberto Theodoro Jr. “As novas codificações francesa e portuguesa e a desjudicialização da execução forçada.” Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 461/483. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Rachel Nunes de Carvalho Farias. Desjudicialização do Processo de Execução – O modelo português como uma alternativa estratégia para a execução civil brasileira. Curitiba: Editora Juruá, 2015; Taynara Tiemi Ono. Execução por Quantia Certa – Acesso à justiça pela desjudicialização da execução civil. Curitiba: Editora Juruá, 2018; idem. Desjudicialização da execução civil: uma análise das experiências estrangeiras e do projeto de lei 6.204/16″. Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 125/157. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Carolina A. Assis, “Desjudicialização da execução civil: um diálogo com o modelo português.” Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 75/103. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Eduardo Ribeiro & Rogério Mollica. “A desjudicialização na execução civil, a experiência portuguesa e o PL 6.204/19” Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 159/173. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Flávia Hill, “O procedimento extrajudicial pré-executivo (PEPEX): reflexões sobre o modelo português em busca da efetrividade da execução no Brasil”. Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 305/322. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Flávia Ribeiro, “Proposta de desjudicialização da execução para o Brasil com base na experiência portuguesa – PL 6.204/19.” Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 323/360. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Humberto Martins, “Reflexões sobre a desjudicialização como instrumento para a eficácia da execução civil”. Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 451/459. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Marcos Rodrigues e Rafael Rangel, “O procedimento extrajudicial pré-executivo lusitano (PEPEX) e o projeto de lei 6.204/19: rumo à desjudicialização da execução no Brasil.” Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 635/649. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Marina Polli, “Propostas de reforma legislativa para a criação de procedimentos pré-executivos judicial e extrajudicial no ordenamento brasileiro: diálogo com o sistema português”. Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 673/700. Curitiba: Juruá Editora, 2020; Sérgio Castanheira, “O procedimento extrajudicial pré-executivo português”. Reflexões sobre a desjudicialiação da execução civil (coord. F. Ribeiro & E. Medeiros Neto), pp. 739/746. Curitiba: Juruá Editora, 2020.

8 Mutatis mutandis, não é por menos que o art. 25 da Lei 8.935/94 ao tratar “das incompatibilidades e dos impedimentos” dispõe, in verbis: “O exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão”.

9 O CNJ percebeu desde logo que são as execuções que atravancam o Judiciário, e, dentre essas avultam decididamente as execuções fiscais. No Brasil há 50,6 milhões de execuções, de que aproximadamente 20 milhões são execuções civis. A média de congestionamento do Judiciário em 2016 era de 73%; nas hipóteses das execuções essa taxa era de 65%. De acordo com o CNJ, se não existissem execuções, a média nacional de congestionamento cairia para 65% (consulta na Internet, em 24/9/2020). Na obra editada pelo CNJ “Justiça em números 2017 ano base 2016”) confirmam-se esses dados e outros na esteira de se demonstrar a gravidade do problema. (v. os relatórios estatísticos do CNJ e o aperfeiçoamento da democracia. Revista do Advogado, ano XXXV, n. 128, dez-2015, p. 66-67). Marcelo Guedes Nunes traz interessante exemplo: com o auxílio do IPEA, o CNJ identificou que as execuções fiscais no âmbito federal têm um custo médio para a máquina judiciária de R$ 4.368,00 e que os conselhos federais respondiam por 36,4% das execuções. Contudo, a média de recuperação nestas execuções era de R$ 1.540,00. Salienta-se que para as execuções civis, segundo dados extraídos do “Justiça em Números”, o resultado final não é muito diferente.

10 As regras de fixação e percepção de honorários advocatícios são as mesmas estabelecidas no CPC (PL art. 2º).

11 Nessa linha, vale lembrar que a Corregedoria Nacional de Justiça editou o provimento 65/2017, que estabelece as diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis e, em 26 de março de 2018, baixou o provimentos 67, que dispõe sobre os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro do Brasil; em 27 de junho de 2018, baixou o provimento 72, que trata das medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas nos tabelionatos de protesto do Brasil, e, mais recentemente, o provimento 86, de 29 de agosto de 2019, que dispõe sobre a possibilidade de pagamento postergado de emolumentos, acréscimos legais e demais despesas, devidos pela apresentação de títulos ou outros documentos de dívida para protesto; provimento 87 de 11 de setembro de 2019 que dispõe sobre as normas gerais de procedimentos para o protesto extrajudicial de títulos e de outros documentos de dívida, regulamenta a implantação da Central Nacional de Serviços Eletrônicos dos Tabeliães de Protesto de Títulos; provimento 88 de 1º de outubro de 2019 que dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles a serem adotados pelos notários e registradores visando a prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro, previstos na lei 9.613/98 e do financiamento do terrorismo, previsto na lei 13.260/16.

12 Cf. Clique aqui (acesso em 10/11/20). Acrescenta-se que durante o atual período de pandemia, os Cartórios Extrajudiciais continuaram a prestar seus serviços à população e empresas de maneira destacada, atentos ao exercício de direitos fundamentais, circulação de propriedade e obtenção de créditos com garantia real. Em sede de Registro Civil, foram incorporadas novas soluções eletrônicas para os registros de óbitos, nascimento e para celebração de casamentos durante a crise, enquanto Cartórios de Notas adotaram a videoconferência e implantaram o “ato eletrônico”, segundo norma nacional regulamentadora da prática de escrituras e procurações em meio digital, mantendo a segurança da manifestação da vontade e efetiva a circulação de propriedades; os Cartórios de Registro de Imóveis passaram a receber títulos digitais, dando cabal cumprimento ao provimento 94/20 do CNJ que disciplina o envio de documentos públicos e particulares nato-digitais ou digitalizados para o registro imobiliário e recebe o apoio de agentes do mercado imobiliário nacional. Em três meses de 2020, os Cartórios superam os bancos em números de operações suspeitas reportadas ao COAF, atingindo a marca de 132 mil comunicações, 14 mil a mais do que os bancos em todo o ano de 2019; por seu turno, a Central Nacional de Registro de Títulos e Documentos e de Registro Civil de Pessoas Jurídicas – RTDPJBrasil – conferiu novo relevo durante a pandemia para a prestação de serviços on line, com mudanças positivas para o trânsito de documentos eletrônicos em todo o território nacional. Cf. Revista Cartórios com Você, n. 20, de março de 2020 (publicação oficial ANOREG/BR, ANOREG/SP e SINOREG/SP).

13 No ano 2000 a Organização das Nações Unidas estabeleceu o Programa ou Objetivos do Desenvolvimento do Milênio – ODM, com metas a serem atingidas até 2015, mais precisamente uma “agenda global” a ser acolhida e observada pelos países signatários, notadamente aqueles “em desenvolvimento”, com o escopo de atingir-se, universalmente, melhor qualidade de vida para as pessoas. Os levantamentos realizados em 2015 apontaram, dentre outros fatores, para a necessidade de prosseguimento do “Programa”, desta feita sintonizado com problemas emergentes de ordem social lato sensu, oportunidade em que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD foi redefinido com novos objetivos e metas (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS) a serem perseguidas e, se possível, atingidas até 2030. Essa “Agenda” ODS é formada por 17 “objetivos” e 169 metas sobre temáticas diversas, tais como a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, questões energéticas e de abastecimento, problemas climáticos, educação, crescimento econômico, melhoramento da eficácia das instituições, acesso à justiça, etc. Por seu turno, o Brasil assumiu este “Programa” e, no que concerne ao engajamento do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça por meio de Comitê Interinstitucional encampou a “Agenda 2030” e passou a trabalhar, em especial, com o “Objetivo n. 16” que versa sobre a paz, a justiça e a eficácia das instituições.

14 Clique aqui (acesso em 8/11/20).

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