1VRPSP – PROCESSO: 1000704-89.2020.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 06/02/2020 DATA DJ: 10/02/2020
UNIDADE: 5
RELATOR: Tânia Mara Ahualli
JURISPRUDÊNCIA: Procedente
ESPECIALIDADES: Registro de Imóveis
Sucessões. Carta de adjudicação. Título judicial – qualificação registral. Estado civil. Formal de partilha – registro prévio. Continuidade.
íntegra
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – COMARCA DE SÃO PAULO – FORO CENTRAL CÍVEL – 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS
Processo Digital nº: 1000704-89.2020.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS
Suscitante: 5º Oficial de Registro de Imóveis
Suscitado: Alexandre Peixoto Massi
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Alexandre Peixoto Massi, diante da negativa em se proceder ao registro da carta de adjudicação extraída dos autos do inventário nº 0052351-87.2013.8.26.0100, que tramitou perante o MMº Juízo da 11ª Vara da Família e Sucessões da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº 53.889.
Os óbices registrários referem-se: a) necessidade de rerratificação da escritura aquisitiva do imóvel, tendo em vista que, à época da aquisição, Maria de Nazareth Nogueira Correa era casada sob o regime da comunhão universal de bens com Carlos Astrogildo Correa, todavia constou da escritura que ela ostentava o estado civil de separada judicialmente; b) em decorrência da comunicabilidade do bem ao cônjuge, é necessário apresentação do formal de partilha de Carlos Astrogildo Correa, em consonância com o principio da continuidade; c) eventual incomunicabilidade em se tratando de bem particular, deverá ser reconhecida judicialmente. Assevera que se superado os óbices mencionados, é necessária a apresentação em cópia autenticada da certidão de casamento atualizada de Maria e Carlos. Juntou documentos às fls.04/228.
O suscitado manifestou-se às fls.229/232. Informa que realizou diligencia junto ao Cartório de Pessoas Naturais de Belém do Pará e obteve cópia da certidão de casamento da de cujus, todavia, na referida certidão não consta averbação do divórcio. Destaca que realizou pesquisa no Tribunal de Justiça e não localizou ação de separação ou divórcio, apenas ação de alimentos, na qual se verifica que houve separação de fato da falecida em 1955, logo ao adquirir o imóvel em 1988, a srª Maria encontrava-se separada judicialmente.
Ressalta a impossibilidade de cumprimento dos óbices impostos pelo Registrador, e que o STF é pacífico no sentido de que bem adquirido após a separação de fato por somente um dos cônjuges, o outro não faz jus, ainda que casados pelo regime da comunhão universal.
Apresentou documentos às fls.233/238.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.242/243).
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.
Com razão o Registrador, bem como o D. Promotor de Justiça.
Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação cível n. 413-6/7).
Neste sentido a apelação cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária.
O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”. Nessa linha, também o E. Supremo Tribunal Federal já decidiu que:
“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, fica claro que não basta a existência de título proveniente de órgão jurisdicional para autorizar automaticamente o ingresso no registro tabular.
Portanto, superada a questão sobre o ingresso do título judicial, passa-se à análise do princípio da continuidade, explicado por Afrânio de Carvalho, da seguinte forma:
“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).
Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula.
Na presente hipótese, de acordo com a certidão de casamento juntada às fls. 139, Maria de Nazareth e Carlos casaram-se em 1931, no regime da comunhão universal de bens. Na certidão de óbito de Carlos (fl.140), constou o estado civil de casado, bem como na certidão de óbito de Maria (fl.36) constou que ostentava o estado civil de viúva, não existindo qualquer averbação acerca de eventual divórcio ou separação na certidão de casamento. Ocorre que, de acordo com o registro nº 02 da matrícula nº 53.889, verifica-se que o estado civil de Maria de Nazareth constou como separada judicialmente, nos termos da escritura de compra e venda lavrada e, 14.04.1988 pelo 15º Tabelião de Notas da Capital. Neste contexto, é necessária a retificação do instrumento que deu origem ao registro, vez que à época da aquisição do imóvel Maria era casada com Carlos, o que é inviável nesta esfera administrativa.
Neste sentido já se pronunciou a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, em parecer da lavra do Meritíssimo Juiz Auxiliar Dr. Vicente de Abreu Amadei, aprovado pelo eminente Desembargador Dínio de Santis Garcia, então Corregdor Geral da Justiça:”
(…) se houve algum equívoco este é do título causal, não do registro imobiliário que é formalmente perfeito e, conforme nossa doutrina e precedentes administrativos, o erro do registro não se confunde com o erro do título causal e não se pode admitir a via administrativa da retificação do registro imobiliário para sanar defeito de escritura a) ‘a retificação de erro constante do registro não se confunde com o erro cometido no negócio causal que originou o assentamento imobiliário’ (Walter Ceneviva, Lei dos Registros Públicos Comentada, Saraiva, 1991,p. 372); b) se o erro se deu na escritura, pública ou particular, somente por outra poderá ser retificado, sendo que as particularidades poderão sê-lo pela escritura pública, e jamais a pública pela particular’ (Aguiar Vallim, Direito Imobiliário Brasileiro, Ed. RT, 1984, p. 109); c) falta qualquer competência aos Juízes para decretar sanações e, até, para retificar erros das escrituras públicas: escritura pública somente se retifica por escritura pública e não por mandamento judicial’ (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t III, § 338, n° 1 com referência ao Acórdão publicado na RT 182/754); d) o registro errado, resultante de uma escritura pública erradamente lavrada, por exemplo, só poderá ser retificado depois que as partes comparecendo novamente à presença do mesmo ou de outro notário, o façam lavrar, para ser por elas assinada, outra escritura, de retificação da primeira (Valmir Pontes, Registro de Imóveis, Saraiva, 1982, 9.24/25); e) se o suposto engano está no título que deu origem ao registro cuja retificação é pretendida, é aquele que deve ser corrigido”
Assim, ostentando o estado civil de casados, e havendo comunicabilidade dos bens, é necessário primeiramente a apresentação do formal de partilha de Carlos, vez que seu falecimento ocorreu anteriormente a de seu cônjuge, vez que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo assim apenas se transmite o direito quem é o titular do direito.
A alegação de que o bem foi adquirido após a separação de fato, por somente um dos cônjuges, e que o outro não faz jus a ele, ainda que casados pelo regime da comunhão universal, é matéria que refoge ao âmbito administrativo, bem como não houve a apresentação de qualquer prova neste sentido, devendo a interessada, como bem observado pelo Registrador, comprovar que o imóvel foi adquirido por apenas um dos cônjuges nas vias ordinárias, com ampla dilação probatória, assim como a separação de fato.
Logo, mister a manutenção dos óbices registrários.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Alexandre Peixoto Massi, e consequentemente mantenho o entrave registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 06 de fevereiro de 2020.
Tania Mara Ahualli
Juíza de Direito